No ms do orgulho LGBTQIAPN+, em entrevista ao Entret, Menotti Griggi, fundador da maior boate gay de Cuiab, Zum Zum Disco Bar, falou sobre a casa noturna, carreira e sexualidade. Ele tambm foi um dos fundadores da Parada e tem uma histria de mais de 20 anos na luta pelos direitos deste pblico que nem sempre teve voz.
A boate foi inaugurada em 2004 e permaneceu na Capital mato-grossense por 10 anos, at o seu fechamento em 2014. Chegou a ser considerada uma das melhores casa noturna da capital, atraindo at mesmo o pblico htero e superando muitos preconceitos para a poca.
Com o estilo nico, o estabelecimento, localizado na Rua Presidente Castelo Branco, no bairro Quilombo, era conhecido por sempre inovar em suas festas, com shows de drags queens, exposies e mostras de cinema.
Menotti Griggi, que atualmente atua como jornalista e produtor cultural, tambm contou um pouco sobre sua carreira, a possibilidade de abrir outra balada, desafios que enfrentou por ser homossexual e a Parada do Orgulho de 2023.
Confira a entrevista completa na ntegra:
Entret - Como foi abrir uma boate gay naquela poca? Me conta um pouco da histria?
Menotti - Um pouco da minha histria, tem que voltar um pouco mais a. A Zum Zum, ela j foi l pelo meio assim dessa trajetria. Ento a minha primeira festa que eu fiz foi em 1995. Aqui em Cuiab. Aqui em Cuiab, uma festa chamada Mascarade
A gente tinha como inspirao naquela poca, Madonna, tanto que uma foto dela. Quase no aparece que ela, mas era uma foto que ela produziu. E a, assim, uma festa que eu fiz um pouco pra entender a minha ansiedade de querer comear uma histria na Capital, de promover um local onde os LGBTs - naquela poca a gente falava de GLS - tivessem um espao onde pudessem se sentir vontade pra namorar, para conhecer pessoas.
E a eu fiz muito sem pretenso, foi uma festa que lotou. Foi numa casa na Baro de Melgao, que nem existe mais, que era da cineasta Gloria Albus, era um casaro antigo. E assim, essa vez foi meu pontap inicial e foi um pblico bem misturado, sabe? Artistas, gays, hteros, curiosos, ento pontap inicial. A a partir disso eu comecei esporadicamente a fazer festas. E ei alguns anos da minha vida fazendo festas em locais da cidade. Fiz em vrios locais. E a, antes de ter a Zum Zum, nos dois ltimos anos, eu trabalhei dois anos fazendo festas no espao que tem ali na Miguel Sutil, chamado Galeria do Pdua.
Ento eu fiquei dois anos ali, eu amo aquele lugar, acho um lugar incrvel. E ele tinha tudo a ver com as minhas festas, sabe que tem uma pegada muito cultural, eu sempre trazia muitas novidades. Minhas festas eram sempre grandes eventos, no sentido de que no era uma festa que voc chegava l s para danar e conhecer gente. Ela sempre tinha um tema, sempre tinha uma histria.
Eu pesquisava muito, eu trazia muitas msicas, eu trazia muitos conceitos. Ento, eu fiz muitas pesquisas sobre a cultura pop dos anos 80, 90. Ento, isso era uma referncia pra mim. Bebi muito nessa fonte pra poder trazer essas pesquisas e colocar nas festas.
Entret - Enfrentou muitos desafios quando decidiu inaugurar a Zum Zum Disco Bar? Quando a boate foi aberta?
Menotti - A Zum Zum a gente abriu em 2004 E quando eu abri a Zum Zum porque as festas j estavam se tornando muito frequentes. As pessoas que queriam que eu fizesse festa, eu fazia uma festa mensal, queriam que eu fizesse quinzenal, semanal, eu falei, ento, pera, vamos abrir um lugar. E a quando eu quis fazer a Zum Zum as pessoas ficaram muito apreensivas, dizendo “nossa, mas porque voc vai fazer a Zum Zum ali”? Ali no para o pblico LGBT, ningum vai, as pessoas no vo”.
Eu disse que precisava fazer a Zum Zum em um espao e num lugar onde tenha todo mundo. Tenha a boate dos cowboys, tenham as patricinhas, os mauricinhos. Enfim, naquele crculo Cuiab efervescncia era ali. Eu falei, ns no podemos mais estar em guetos, ns no podemos mais estar afastados, ento eu queria que a Zum Zum fosse ali.
E assim foi, construir ali naquele espao foi um sucesso. As pessoas comearam a entender que elas tinham que ocupar aquele espao, que elas no precisavam ficar se escondendo o tempo todo. Claro que eu respeitava muito as pessoas que estavam dentro do armrio, as pessoas que no queriam ter a sua vida exposta, n? Ento assim, eu meio que forcei uma barra tambm para a gente se impor mesmo e ocupar os espaos, n?
Entret - A Zum Zum no era apenas uma boate, n? Vocs tinham exposies, shows e mostras de cinema?
Menotti - No foi s uma boate, eu chamava de espao cultural, porque a gente funcionava como boate, mas l eu fiz exposio de fotografia, exposio de artes plsticas, teve mostras de cinema, teve teatro, teve cursos, teve palestras na rea de sade sobre o uso de preservativos, fizemos palestras sobre ISTs. Ento assim, um espao que eu procurava fazer inmeras outras coisas, ento o entretenimento, a casa noturna, ela tinha a sua garantia de final de semana, mas a gente sempre inventava outras coisas.
Entret - O espao tambm oferecia cursos para quem queria ser drag queen?
Menotti - A maioria das drags que so atuantes no mercado hoje, as drag queens, fizeram escola nas Zum Zum. Eu criei l o primeiro curso de drag do Brasil. Que no tinha no Brasil. No existia isso no Brasil. Foi logo na inaugurao que a gente fez isso. Um curso onde as drags aprendiam a dublar, elas aprendiam um pouco sobre a cultura queer, elas tinham aula sobre empreendimento de carreira. Foi um curso bem bacana, formador mesmo e gratuito. E a todos os grandes artistas que ns temos hoje no mercado saram l da Zum Zum, dessa escola. Como Sarah Mitch, Elsa Brasil, Leila Veronique, Lorena Kempfer, todas essas drags que atuam no mercado hoje so filhas das Zum Zum, so minhas filhas.
Entret - Aps 10 anos, porque a balada fechou?
Menotti - O mercado um pouco voltil, as pessoas querem novidades e tem uma coisa que eu acho que muito peculiar que o fato de que quando eu abri a Zum Zum, a populao LGBT, ela queria estar limitada a frequentar lugares mais LGBTs, para LGBTs. Hoje no. Naquela poca, quando eu fechei l, em 2014, a gente j tinha uma abertura muito maior. As pessoas frequentam e comearam a frequentar todos os lugares. Ento voc vai nos outros espaos hoje, voc v nas casas noturnas, para quem gosta de msica sertaneja, para quem gosta de lambado, para quem gosta de rock, pra quem gosta de msica eletrnica.
Ento, a populao LGBT acabou se inserindo em todos os espaos. Isso no significa que a gente no possa ter uma outra casa noturna. Pode, mas assim, eu fico feliz que o mercado comece a se abrir, s pessoas comeam a compreender melhor a populao LGBT e tem mais respeito.
Ento acho que eu fechei na hora que tinha que fechar, fiz a minha contribuio que tinha que fazer, n? E a fiquei trabalhando em algumas festas paralelas, trabalhando com a organizao da Parada, que eu sou um dos fundadores junto com o Valdemir e o Clvis, n? Desde a primeira Parada.
Entret - Nesta semana voc foi nomeado o Rei da Parada, como se sentiu?
Menotti - Eu fui coroado o Rei da Parada pelo reconhecimento do trabalho, por ter sido a pessoa junto com o Clvis e com o Valdomiro, que organizou a primeira parada e vem contribuindo ao longo de todos os anos sempre com a Parada. Ento, esse ano na celebrao dos 20 anos eles fizeram essa homenagem e no lanamento para a imprensa eles me coroaram como rei da parada.
Entret - Voc pretende abrir outra casa noturna?
Menotti - No, eu acho que assim, eu t num outro processo da minha vida, n? Eu sou jornalista tambm, n? Ento eu tenho um outro trabalho atualmente, eu trabalho mais com assessoria de imprensa, sou produtor cultural, eu gosto muito de trabalhar com produo.
E tambm eu acho que tem muita gente, muita gente nova no mercado, muita gente trabalhando, muita gente atuando. Tem o pessoal da Oddly, tem o pessoal ali da Sumac fazendo festa. Tem muitas festas e muitas pessoas trabalhando. E eu acho isso muito legal, sabe? Muito legal que o mercado tenha tanta gente trabalhando, tanta gente produzindo e empreendendo para o pblico LGBT.
Entret - Enfrentou algum preconceito por ser homossexual? Como avalia a nossa sociedade ao longo dos anos?
Menotti - A minha gerao, que uma gerao 50 mais, uma gerao que no a gerao de 20 anos hoje desses jovens que esto a. Eu estou falando de uma sexualidade a 30 anos atrs. E h 30 anos era tudo muito complicado, era tudo muito velado. Voc no tinha a liberdade que voc tem hoje para voc namorar. No era assim. Voc no ia para uma balada htero namorar com o cara, n?
Ento, eu ao longo da minha vida, de uma certa forma eu no sofri tanto preconceito como tenho muitos amigos e muitos relatos de pessoas prximas que sofreram, mas, o que eu acho que eu sofri foi com a falta de informao e com a falta de ter com quem falar.
Eu vivi num momento que no havia internet, que eu no tinha informaes para eu poder trocar, eu no tinha amigos com quem falar. Ento, hoje essa juventude que est a uma juventude que est com muito mais o informao, que tem muito mais respostas para dar no caso de uma homofobia ou no caso de sofrer algum preconceito. Essa gerao est muito mais informada.
E no s a gerao dos LGBTs, mas os hteros tambm, eles comeam a ter essa compreenso de que voc no pode fazer, no pode cometer crimes, apesar de que ainda acontece e acontece bastante. Mas assim, isso mudou muito, ns conseguimos muitos avanos. Eu acho que o principal avano nesse sentido o coletivo LGBT que vem trabalhando h 30 anos para chegar at hoje, a parada construda em 20 anos, com muito debate, com muitos seminrios, com muitas geraes polticas, mas principalmente tambm a informao. A informao hoje a base para a gente poder combater a homofobia.