De carcereiro a agente penitencirio. De agente penitencirio a policial penal. O secretrio adjunto de istrao Penitenciria, Jean Gonalves, h 21 anos tem ado por todas as transformaes do Sistema Penitencirio, que em 2000 estava sob o comando da Polcia Civil com carceragens nas delegacias e as penitencirias sob o comando da Polcia Militar com o Batalho de Guardas.
Do servidor contratado com cadeados no pescoo para fazer a tranca de presos, desarmados e s com autoridade da conversa, ao policial armado com fuzil e procedimento padro, h muita diferena. De valorizao profissional a condies de trabalho.
Nesta entrevista, Jean Gonalves faz um raio X do Sistema Penitencirio de como a superlotao est atrelada de forma cabal ressocializao. Por mais criminoso que algum seja, um dia vai deixar a priso pela porta da frente, afinal, no Brasil no h priso perptua ou pena de morte.
Confira, abaixo, a entrevista:
Leiagora – O que tem sido feito dentro das unidades para que o preso abandone o crime? A sociedade, por muitas vezes, quer que a pessoa no saia mais da unidade, mesmo sabendo que no h pena de morte e nem priso perptua no pas. Como vocs evitam que ele no vire um 'cliente do sistema'?
Jean – Hoje dizem que a taxa de reincidncia no pas seja de 80%, ou seja, a cada 100 presos, 80 voltem para o crime. Esses dados so extraoficiais porque hoje no tem um mecanismo concreto para aferir esse nvel de reincidncia. H entendimentos diversos. Pelas leis vigentes no pas, reincidente aquele que tem processo transitado em julgado e comete novo crime. Outros entendem que est no crcere, saiu, cometeu novo crime e voltou ao crcere. Ento h essa divergncia doutrinria. Eu entendo que deveria aferir o grau de reincidncia pela reentrada da pessoa no sistema prisional e no pelo processo transitado em julgado, mesmo ele sendo provisrio, a sim conseguiria aferir o dado.
Leiagora – Se no consegue aferir a reincidncia, tambm no se sabe quantos desses presos deixaram a criminalidade de vez?
Jean – difcil, no tem nmeros reais da reentrada, mas pelos dados extraoficiais se 80% volta ento os que abandonaram em torno de 20%
Leiagora – Por que as faces ainda conseguem controlar a criminalidade mesmo com lideranas presas. Tm casos de operaes policiais e no cumprimento de mandado de priso a pessoa j est presa. Como possvel barrar essa comunicao?
Jean – A gente est trabalhando neste sentido como vocs acompanham pela imprensa. Hoje raramente tem uma operao que tem envolvimento da unidade penal. A gente tem tecnologias e est reestruturando o sistema penitencirio e reformulando toda a Penitenciria Central do Estado, tornando uma unidade moderna, segura e ter monitoramento eletrnico 24 horas na unidade, fora outros investimentos que o governo tem realizado para evitar esse tipo de situao.
Leiagora – Como a relao dos policias penais com os presos faccionados? A PM prende, a PJC indicia, mas quem convive diariamente o policial penal. A cada apreenso de celulares, de drones, drogas, informaes onde fica esconderijo dos bandidos, no h temor de retaliao?
Jean – Essa vida de policial penal tem algumas restries de frequentar determinados lugares, por questo de segurana mesmo. uma convivncia tranquila, o policial est ali no planto de 24 horas para coibir todo tipo de crime. um combate dirio e os resultados vm aparecendo. O medo algo ntimo do ser humano. O medo deve existir, sim. Eu coordeno 46 unidades penais, 11.500 presos em regime fechado, 6 mil no monitoramento eletrnico, 3 mil servidores, ento tenho meus medos, meus receios, mas dia a dia da profisso.
Leiagora – Houve recentemente o retorno das visitas, aps um longo perodo de proibio. Agora voltou com uma srie de restries. Como as famlias esto reagindo?
Jean – Tivemos uma boa aceitao por parte do familiar, da populao carcerria. Todos so testemunhas do que aconteceu na pandemia, o colapso do setor de sade, do estado, do pas. As visitas retornaram de forma gradativa, uma a cada 15 dias. A gente tem feito triagem no raio que recebeu visitao para ver se houve contaminao. Tivemos alguns incidentes na tentativa de entrada de entorpecentes em algumas unidades e foi prontamente coibida.
Leiagora – O senhor tem uma posio sobre o projeto de lei do deputado Joo Batista de proibir a entrada de crianas em cadeias e presdios?
Jean – Eu tive conhecimento dessa propositura pela imprensa, eu no tenho conhecimento se j foi votado. Na minha opinio pessoal, no falo como profissional da segurana, mas do cidado Jean, eu acho temerrio crianas frequentarem unidades prisionais. Agora ns temos legislaes que garantem esse o s crianas nas unidades penais no pas. No prprio Estatuto da Criana e do Adolescente garantem esse contato das crianas com os seus pais. No perodo da pandemia, as crianas no esto entrando porque no foram vacinadas e a entrada do vrus temerria.
Leiagora – possvel recuperar a maioria dos presos em Mato Grosso ou voc acha que uma utopia? O crime seduz mais do que a vida de trabalhador?
Jean – No vejo como utopia. Vejo que tnhamos limitao de oportunidades, com essa reestruturao que est sendo feita pelo governador Mauro Mendes, que pegou o sistema penitencirio em 2019 com dficit de 6,5 mil vagas e hoje, em 2021, esse dficit pouco mais de 2,7 mil vagas e com a previso do planejamento que fizemos junto ao secretrio Bustamante, Mato Grosso vai zerar esse dficit. Com esse trabalho vamos poder fazer a separao dos presos por crime, ento a pessoa que tomou uma pinga e acabou dando facada numa pessoa, vai para o crcere e vai pra cela onde est um assaltante, que a vida dele do crime. Ento com a separao dessas pessoas a gente vai conseguir recuperar enorme de pessoas.
Leiagora – A superlotao o que impede a recuperao dos presos?
Jean – A superlotao na unidade penal o impede o desenvolvimento de polticas pblicas, entre elas a ressocializao.
Leiagora – Recentemente o governador assinou decreto estabelecendo a forma de cobrana das tornozeleiras e boto do pnico. A gente tem muita notcia de pessoas que rompem o equipamento para voltar a delinquir. Acha que isso poder inibir essas aes?
Jean – Na verdade o intuito do decreto outro. Hoje o preso no paga pelo equipamento de monitorao. A partir desse decreto a cobrana do uso da tornozeleira eletrnica o valor que o estado licita com a empresa vai ser custeada pelo reeducando, no s em caso de rompimento. Hoje se um reeducando extravia esse equipamento ele tem que indenizar o estado, que tem que pagar a empresa. Essa medida vai atingir as pessoas com poder aquisitivo, com advogado constitudo. As pessoas hipossuficientes, atendidas pela Defensoria, no entraro nessa medida.
Leiagora – Caber ao judicirio estabelecer quem vai ou no usar?
Jean – Dentro do processo j tem essa informao, o judicirio tem essa informao se a pessoa hipossuficiente ou no.
Leiagora – A Casa do Albergado de Cuiab existia para o cumprimento do semiaberto. Foi fechada e desde ento o regime semiaberto se limita a tornozeleiras. Quando o estado vai voltar a ter um local para que esses presos possam cumprir a pena como estabelece na lei?
Jean – A Casa do Albergado, seno me engano fechou as portas na poca da Copa de 2014. Para o cumprimento da pena necessrio essas unidades de regime semiaberto. A gente tem planejamento, projeto pronto e a partir de janeiro ter esse espao com 1.200 vagas para o regime semiaberto. Lei de Execuo penal prev um sistema mais brando, o preso a uma parte trancafiado e trabalhando, autorizao para sada do Dia dos Pais, Dia das Mes e Natal.
Leiagora – Existe a possibilidade de privatizar as unidades penais de Mato Grosso como em outros estados?
Jean – Privatizao do sistema penitencirio vem sendo discutida h anos no pas. Temos alguns casos Minas Gerais, Tocantins. Tem modelos, eu nem falo privatizao, mas parceria pblico-privada, onde todo papel de polcia fica por conta do estado e caso uma empresa venha ocupar a istrao penitenciria, ficar com a parte istrativa, a movimentao do preso, assistncia educacional, jurdica, sade, religiosa. O poder de polcia do estado e no tem como rear. Em Mato Grosso no temos nem estudo em andamento nesse sentido.
Leiagora – Como foi sua entrada no Sistema Penitencirio?
Jean – Meu primeiro contato com cadeia foi em 2000, em Dom Aquino. Quem era responsvel pelas cadeias pblicas era a Polcia Civil, os delegados de polcia. As delegacias que tinham carceragem era de responsabilidade dos delegados e contratavam agentes para tomar conta da carceragem. Os presdios eram independentes das cadeias e faziam parte da Sejusp na poca e as unidades tinham o Batalho de Guardas da Polcia Militar. Os agentes na poca eram os carcereiros, eram civis contratados para cuidar da carceragem das unidades, desarmados, e no fazia trabalho armado. Em 2004 fiz concurso e fui aprovado em Dom Aquino.
Leiagora – Quando o sistema penitencirio ou a ser como hoje?
Jean – O sistema penitencirio comeou com essa evoluo em 2013. Os agentes, hoje policiais penais, aram a ter formao, a Polcia Militar deixou as unidades penais do Estado, todo trabalho de segurana ou a ser feito pelos agentes penitencirios.
Leiagora – O que de fato muda com a mudana de agente penitencirio para policial penal?
Jean – Olha, essa mudana de nomenclatura na Constituio Federal nos trouxe garantias que no tnhamos antes: porte de arma, aposentadoria especial, a gente fazia todo o trabalho de polcia e no tnhamos as mesmas prerrogativas. Tem linha de crdito especial agora, como a gente no estava na Constituio, no tinha o a essas polticas.
Leiagora – Voc foi diretor da Penitenciria Central do Estado em 2010, o que a unidade mudou nestes 11 anos?
Jean – Mudou completamente. O agente penitencirio quando ia fazer a tranca dos raios, ele ava no meio de 400, 500 presos portando os cadeados no pescoo e s tinha certeza que entrava, no tinha certeza que iria sair. Com a evoluo, treinamento e o policial assume todas as atribuies, antes do agente penitencirio entrar para fechar a cadeia, a conteno vinha antes. Quando entrava era s pra colocar o cadeado na porta.
Leiagora – E a questo estrutural, naquela poca j tinha a superlotao?
Jean – Naquela poca j tinha superlotao. Eu era diretor da PCE em 2010 e naquela poca j tinha 2.100 presos. Com a reforma, estruturalmente s os muros sero como antes porque toda parte de carceragem esta sendo toda demolida e reestruturada.