O presidente da Fundao Nacional do ndio (Funai), Marcelo Xavier, veio a Mato Grosso para participar da Parecis SuperAgro, que neste ano teve um dia histrico. Os indgenas das etnias Haliti-paresi, Nambikwara e Manoky receberam o resultado do primeiro estudo de regularizao ambiental e posterior licenciamento ambiental em rea indgena no pas.
O case dos indgenas produtores um modelo de etnodesenvolvimento pregado pelo atual presidente da Funai. Ele defende a autonomia dos povos indgenas em dizer o que desejam para gerar renda e favorecer toda a comunidade. No caso destes povos, foi investir em lavoura mecanizada em 20 mil hectares de terra, menos de 2% do territrio deles.
Delegado da Polcia Federal e com atuao em Mato Grosso, Marcelo Xavier crtico do que ele classifica como 'atravessadores', ou seja, as organizaes no-governamentais, ambientalistas e outras entidades que procuram falar pelo indgena. Na Funai conduzida por ele, o presidente quer ouvir as lideranas de forma direta.
Nesta entrevista, ele tambm comenta as operaes da Polcia Federal que levaram priso de servidores da Funai em Mato Grosso, o arrendamento e a explorao de garimpos em terras indgenas.
Leiagora – Quando a gente fala em terra indgena, o senso comum de agricultura familiar, caa, pesca, mas em Campo Novo do Parecis, os indgenas so produtores rurais, tm lavoura mecanizada, o que tem gerado renda a eles. O senhor acha que o etnodesenvolvimento, a explorao da terra pelo indgena como ocorre em Mato Grosso, um exemplo a ser replicado no pas?
Marcelo – Primeira coisa que temos que partir a autonomia da vontade. No h projeto de etnodesenvolvimento apenas de forma extensiva no Brasil. Ns temos turismo, ns temos artesanato, temos coleta de castanha, baru, pequi, outras essncias dentro das terras indgenas. Se vende muito a ideia de que o etnodesenvolvimento nas reas indgenas – o que uma mentira – compreende apenas a agricultura desenvolvida em larga escala. Ns temos o caso do camaro dos potiguaras, o pirarucu do palmari, ns temos turismo do Mazinho no Parque do Xingu, ns temos cadeia de coleta de castanha dos cintas largas, ou seja, temos um monte de exemplo de potencialidades terras indgenas. Isso tem que ar pela autonomia e pela vontade dos indgenas. O que no d mais so intermedirios dizer que o indgena deseja. O indgena tem todo direito de ter seu direito e fazer as suas escolhas
Leiagora – Recentemente, teve duas operaes da Polcia Federal em Mato Grosso com a priso de lideranas indgenas e servidores da Funai em esquemas de arrendamento de terras indgenas para pecuria e garimpo. No foi uma invaso, houve consentimento de ndios e servidores do rgo. Os ndios no podem explorar suas reas como achar conveniente?
Marcelo – Primeira coisa, maus funcionrios existem em todas as carreiras. O arrendamento da terra indgena vedado pela Constituio Federal, pois h subverso da posse. Mas as parcerias, com composio majoritariamente indgena e atividade desenvolvida pelos indgenas, possvel. As parcerias por meio das cooperativas entre indgenas e no indgenas, desde o capital seja majoritariamente indgena, possvel. Por isso que ns, da nova Funai, entendemos que precisa da capacitao do Senar, dos Sindicatos Rurais que tm que vir conosco e capacitar os indgenas respeitando a autonomia da vontade.
Leiagora – Essa a principal diferena entre os casos de priso da Polcia Federal e os cases de sucesso das cooperativas agrcolas do chapado do Parecis?
Marcelo – Nesses casos em especficos, o que houve foi um arrendamento ilegal, no foi projeto modulado pela Funai em Braslia, gera um problema na aldeia de concentrao de renda. Nas cooperativas indgenas em Campo Novo do Parecis, os lucros auferidos pela cooperativa so divididos pelas comunidades, so cerca de 3 mil indgenas, isso essencial. O projeto mal formulado gera problemas, no arrendamento, concentrao de renda e dissidncia na cacicncia, isso a Funai no concorda. Inclusive, a atividade garimpeira em terra indgena, tambm no concordamos porque no existe um projeto de lei de minerao. A partir do momento que tiver, a Funai favorvel, pois pode ser uma soluo para resolver e levar dignidade para as aldeias desde que feito de forma sustentvel e respeitando as normas ambientais. Hoje o que existe a explorao da atividade mineral de forma ilcita, ilegal com uma norma constitucional desde 1988 para regulamentar e at hoje no foi. Precisamos enfrentar esse problema porque a vontade do constituinte originrio era de que essa norma fosse regulamentada e viabilizada nas reas indgenas.
Leiagora – A agricultura mecanizada de larga escala nas aldeias mudou o cenrio dos indgenas. A Funai tem trabalhado com essa ideia de agricultura em outras aldeias?
Marcelo – Com certeza. O que precisamos entender a autonomia da vontade. O indgena quer desenvolver a agricultura em larga escala? timo. Tanto que ns entregamos 40 tratores todos equipados com carretinha, plantadeira, calcareadeira, para que eles desenvolvam essas atividades, ento eles esto podendo fazer essa imerso nessa nova realidade apresentadas a eles. Sempre lembrando, com apoio da Funai, com os lucros divididos de forma equnime para beneficiar toda a comunidade, pois a terra coletiva.
Leiagora – Em Mato Grosso somente na regio de Campo Novo do Parecis?
Marcelo – Ns temos outros exemplos em Mato Grosso, os bakairi em Nobres, os xavantes de Primavera do Leste, os guajajaras do Maranho, enfim, h uma enormidade de potencialidade e um mundo que se abre para que os indgenas sejam os protagonistas de suas prprias histrias.
Leiagora – Como o senhor encara as crticas de que a Funai no incentiva que o ndio viva de seus usos e costumes, viver da caa, da pesca ou ajude a recuperar as reas degradadas pela invaso dos no indgenas?
Marcelo – Eu acho que quem tem que decidir isso o prprio indgena. H um problema claro a. Quem disse que a atividade em larga escala, ou o turismo, ou o desenvolvimento do artesanato, ele impede o uso e costumes e as tradies? Eu tenho certeza que aqui com os parecis eles continuam com os batismos, os trajes e as cerimnias tpicas. Quem tem que decidir o que fazer ou deixar de fazer o prprio ndio.
Leiagora – O senhor veio para a Parecis Superagro 2022 e tambm trouxe os bancos pblicos, uma forma de fomentar os negcios indgenas?
Marcelo – Atitude indita nossa foi trazer para essa feira e conversar com os parecis o BNDES e a Caixa Econmica Federal. Ns entendemos que eles tm direito ibilidade do crdito, o problema estava na modulao da garantia, mas como os parecis tm um nvel de maturidade de pagamento de vrios anos de forma muito efetiva, vejo que perfeitamente possvel concesso de crdito. O que cabe uma poltica bancria para eles, que precisam agora construir um silo, um secador, um centro tecnolgico para desenvolver as potencialidades das reas indgenas deles. Acho justo que os indgenas tenham o mesmo o ao crdito que um produtor brasileiro qualquer.
Leiagora – De que forma a Funai pode ajudar nisso?
Marcelo – A Funai tem ajudado autorizando os projetos nas reas indgenas. Ns temos chamado as instituies para conversar. A Funai no tem como adentrar nas polticas de crdito das instituies bancrias, mas cabe a gente como rgo de assessoramento das comunidades indgenas levar essa demanda para que as instituies financeiras deliberem e traga uma soluo.
Leiagora – H narrativa de que a agricultura de larga escala nas comunidades indgenas gera uma competitividade com os produtores rurais. Isso procede?
Marcelo – Os indgenas tm os mesmos direitos e as mesmas oportunidades que outro brasileiro qualquer. Creio que eles podem desenvolver suas atividades porque, inclusive, refora neles, o sentimento de permanncia naquela localidade. Vejo os casos dos parecis, muitos estavam espalhados por a, em situao precria, de forma miservel. Quando houve o etnodesenvolvimento, houve tambm a reafirmao do sentimento de permanncia no local. Chamou os ndios para voltar. Vejo o etnodesenvolvimento como a soluo para as reas indgenas para trazer o sentimento de permanncia no local, alijando os intermedirios. Onde tem dignidade e possibilidade deles gerar renda. No caso dos parecis, foram R$ 140 milhes no ano ado, no tem intermedirio.
Leiagora – A nova Funai no negocia com intermedirios, apenas direto com as lideranas indgenas?
Marcelo – Eu no negocio com as lideranas, eu s coloco as lideranas para expor o que eles efetivamente desejam. O indgena que deseja desenvolver, ns estamos de portas abertas para fazer encaminhamento. O indgena quer treinamento, ns vamos l no Senar. O indgena quer crdito, vamos trazer para as instituies. Essa a ideia.