O conceito de Paris como “capital mundial da moda” vem dos sculos 17 e 18, principalmente durante o reinado de Lus XIV, que incentivou o desenvolvimento da indstria txtil na Frana. possvel fazer uma analogia com o esporte, rea na qual o crescimento tambm fruto de apoio, no apenas financeiro, mas tambm por meio de visibilidade, referncias e boas histrias.
Entre julho e agosto de 2024, Paris foi a “capital mundial do esporte” ao sediar os Jogos Olmpicos e Paralmpicos. Por dois meses, os veculos de comunicao do pas deram espao nobre aos heris das piscinas, pistas e quadras. Durante a Paralimpada, uma partida da seleo sa de futebol masculino contra a Itlia, pela Liga das Naes, ficou em segundo plano na capa do L'quipe, principal jornal esportivo da Frana, que destacou as medalhas do ciclismo. Os torcedores lotaram as arquibancadas, trazendo mscaras com os rostos dos atletas. No faltaram incentivo e surpresas: como a vitria dos anfitries no futebol de cegos, superando a favoritssima Argentina na deciso.
No foram somente os atletas locais que conquistaram o pblico durante a Paralimpada. Um brasileiro foi eleito pela 2, principal emissora pblica do pas europeu, como a estrela do evento. O mineiro Gabriel Arajo virou estrela em Paris durante os Jogos, deu autgrafos e participou do programa de maior audincia da TV poliesportiva sa, que o chamou de “Pel das Piscinas”.
Para alm do carisma e do sorriso fcil, Gabrielzinho “amassou”, como ele mesmo diz, na Arena La Defense, em Nanterre, cidade vizinha a Paris, que recebeu as provas de natao. Foram trs ouros na classe S2, para atletas com grau elevado de comprometimento fsico-motor. O mineiro, que nasceu com focomelia (condio que impede o desenvolvimento normal de braos e pernas), venceu facilmente as provas dos 50 e dos 100 metros nado costas e dos 200 metros livre.
Os ouros de Gabrielzinho se juntam a outros quatro conquistados pelo Brasil na piscina de Nanterre. Um deles com o catarinense Talisson Glock, nos 400 metros livre da classe S6 (para deficincias fsicas - ele tem o brao e a perna esquerda amputados), e outros trs com Carol Santiago, que brilhou nos 50 e nos 100 metros livre e nos 100 metros costas da classe S12 (baixa viso - a pernambucana tem uma alterao congnita na retina chamada Sndrome de Morning Glory).
Carol, alis, repetiu o que fez nos Jogos de Tquio (Japo), em 2021, e foi grande nome individual do Brasil em Paris, com cinco medalhas ao todo (trs ouros e duas pratas). O desempenho a tornou a mulher brasileira que mais vezes - seis - foi ao topo do pdio paralmpico, superando a lenda dria dos Santos, que conquistou quatro douradas em provas de velocidade para atletas cegas entre 1992 e 2008. Em apenas duas participaes no megaevento, Carol acumula dez premiaes e est a trs de igualar a prpria dria, ainda a maior medalhista feminina do pas.
No toa, Carol e Gabrielzinho terminaram o ano eleitos os melhores da temporada - masculino e feminino, respectivamente - no Prmio Paralmpicos. O mineiro era o grande favorito, enquanto a pernambucana venceu uma concorrente de peso, que teve um 2024 de volta por cima. Nos Jogos de Tquio, a cordinha que une velocista com deficincia visual e atleta-guia rompeu, para desespero de Jerusa Geber, justamente nos 100 metros rasos, em que era campe mundial da classe T11 (cegos). Trs anos depois, novamente ao lado do guia Gabriel Garcia, a corredora acreana apagou de vez a decepo de 2021, ganhando tanto os 100 metros como os 200 metros.
O segundo ouro de Jerusa foi o de nmero 23 do Brasil em Paris, garantindo a campanha na capital sa como a mais dourada do pas em Paralimpadas. Ainda vieram outros dois topos de pdio. O sul-mato-grossense Fernando Rufino, o Cowboy de Ao, sagrou-se bicampeo na paracanoagem, enquanto a carioca Tayana Medeiros, no halterofilismo, obteve uma dourada indita para si.
Alm dos 25 ouros, foram 26 pratas e 38 bronzes, totalizando 89 conquistas, batendo (e quase superando) a meta do Comit Paralmpico Brasileiro (B), que era alcanar entre 70 e 90 pdios. Pela primeira vez, o pas ficou no top-5 do quadro de medalhas. O resultado, por incrvel que parea, poderia at ser melhor, j que algumas modalidades tiveram resultados considerados aqum e o Brasil ficou apenas dois ouros atrs da Holanda, quarta colocada, impulsionada pelo ciclismo.
O futebol de cegos, por exemplo, adiou o sonho do hexa ao perder da Argentina, na semifinal. A seleo ficou com o bronze. Outro favorito a tropear foi o goalball masculino, tricampeo mundial e ouro em Tquio, que tambm se despediu de Paris bronzeado. Alis, foram as nicas medalhas dos esportes coletivos brasileiros na Frana. O vlei sentado feminino, campeo do mundo em 2022, voltou para casa sem lugar no pdio, superado na disputa do terceiro lugar pelo Canad.
Em contrapartida, teve modalidade com estreia brasileira no pdio paralmpico. No parabton, Vitor Tavares conquistou o bronze indito na classe SH6 (nanismo). J no triatlo, teve a prata do tambm paranaense Ronan Cordeiro, da classe PTS5 (atletas com deficincias fsico-motoras leves). Mesma cor de medalha que o paulista Alexandre Galgani obteve na carabina de ar deitado 10 metros da classe SH2 (atiradores que requerem e para a arma) no tiro esportivo.
Indito, ainda, foi o feito de Jady Malavazzi. Dias aps um quarto lugar em Paris, a paranaense se tornou a primeira brasileira campe mundial de ciclismo de estada na classe da handbike (bicicleta “pedalada” com as mos). Ou ento o da catarinense Bruna Alexandre, do tnis de mesa, pioneira ao disputar tanto a Olimpada como a Paralimpada da capital sa. Nesta ltima, obteve dois bronzes, nas duplas femininas e no individual da classe dez (a de menor comprometimento fsico-motor - Bruna tem o brao direito amputado).
Fora das pistas e canchas, o Bolsa Atleta, considerado o maior programa de patrocnio esportivo individual do mundo, ou a contemplar, em 2024, competidores das provas que integram os Jogos Surdolmpicos e os auxiliares de atletas paralmpicos, como os guias dos corredores com deficincia visual ou os calheiros da bocha, que posicionam as canaletas para os atletas (que tm um grau de comprometimento motor bastante severo) empurrarem a bola e jogar. Quase 100% dos representantes brasileiros em Paris (274 de 280) recebiam o benefcio.
Porm, em meio a tantas conquistas, o ano teve uma nota triste: o falecimento de Joana Neves, a Joaninha. Campe mundial e medalhista paralmpica na classe S5 (intermediria entre as voltadas para nadadores com deficincias fsico-motoras), a potiguar, que tinha nanismo, no resistiu a uma parada cardiorrespiratria e morreu em 18 de maro, causando comoo entre atletas e demais envolvidos no movimento paralmpico brasileiro. A “Peixinha”, como era conhecida, foi homenageada na cerimnia de entrega do Prmio Paralmpicos.